Em primeiro de maio, além de rememorarmos as lutas dos nossos antepassados trabalhadores – que se torna ainda mais importante em tal momento de ataque destrutivo ao trabalho – comemoramos também o aniversário de 81 anos de Heraldo do Monte (1935). Já não seria pouco, mas não passaria de uma constatação, a afirmação de que Heraldo é o maior guitarrista e um dos maiores músicos nascidos no estado de Pernambuco. Mas podemos ir além e nos darmos conta também de que ele foi o inventor, aquele que deu o pontapé inicial, de algo que hoje chamamos de guitarra brasileira, e isso a quase 50 anos. Invenção essa que teve inicio no hoje mítico, e infelizmente meteórico, Quarteto Novo, mas que continua em desenvolvimento. Aqui Heraldo inicia o trabalho de uma vida e não da criação de uma linguagem tradicionalista – como muitos parecem entender – mas de uma linguagem moderna que fala um português brasileiro através de tal instrumento. E fala tal língua mesmo sendo sua música essencialmente instrumental e portanto não diz absolutamente nada além de si mesma. Heraldo foi buscar nas tradições folclóricas pernambucanas, mas também de todo o nordeste brasileiro de uma maneira geral, uma forma de, trazendo este passado a tona, apontar para o futuro. A porta que por Heraldo foi aberta dá para uma outra porta. Mas esta ainda está fechada.
Heraldo também expandiu as possibilidades da viola nordestina, que com 12 cordas e em suas mãos, ganhou uma dimensão melódica e harmônica antes nunca reveladas. Como improvisador ele nos demonstra a paciência de quem tem um enorme rigor na escolha das notas e uma maneira de tocar que ocorre no detalhe, no encadeamento preciso de uma nota com a seguinte. Aqui nada acontece de forma aleatória, o acaso é encarado de uma forma criativa e é englobado na construção musical. Os problemas musicais do instante são resolvidos com minúcia, sem clichês banais ou frases aleatórias. Uma nota conduz a próxima (ou conduz ao silêncio) se acordando perfeitamente com o contexto musical. Não há imposição da vontade do músico, a música e as contingências da improvisação é que ditam as regras do jogo.
Heraldo foi buscar no imaginário da sua infância a sua terra natal para transforma-la em música. Heraldo constituiu um possível que ali havia sido aberto. Assim, parece claro que a criação de tal obra tenha apenas sido possível a partir do momento em que, há 60 anos, Heraldo saiu do Recife em direção a cidade de São Paulo. Obra esta que ainda está longe de dar o seu último suspiro e que certamente já deixou um traço inventivo no infinito de uma modernidade que ainda não se concretizou plenamente. Por fim, a única coisa a lamentar é que a sua música não seja mais conhecida pelo grande público. Todavia, mesmo outros músicos – dentre os quais guitarristas e improvisadores – ignoram ou não conhecem muito bem a obra deste músico. Isto porém, nos dá a impressão de que tal música sinaliza um outro futuro. Futuro este onde ao comum seja feito jus.
Desta forma, se uns dão o seu nome a túneis e outros a viadutos, Heraldo, tão grande é a sua música, poderia dar nome a uma avenida no alto de um Monte.
Viva Heraldo do Monte!
Foto: Leandro Almeida
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