“Em “Recanto escuro” ele (Kassin) criou “ilusões auditivas” que têm o mesmo efeito que as levadas equívocas do rap mais inventivo. E ainda citou uma repetição do baixo do meu violão a que eu tinha sido obrigado pela necessidade de passar a página com a letra ao gravar no GarageBand. Depois, encontrando Luís Felipe de Lima no estúdio, extraiu dele essas intervenções de violão de sete cordas que, ao mesmo tempo, rasgam nosso coração e o consolam. Depois pediu a Donatinho e a Pedro Sá que somassem comentários. Moreno e eu editamos o material. A voz de Gal que ficou na versão definitiva dessa faixa é a voz-guia que ela gravou, de cara, apenas para Kassin poder continuar trabalhando. […]
As letras desse disco são ao mesmo tempo muito diretas e um tanto enigmáticas. Não pude evitar. Atribuo ao fato de eu ter pensado nos sons eletrônicos envolvendo a voz de Gal. “Recanto escuro”, que é uma biografia cifrada da própria Gal (mas tem elementos de minha própria biografia), foi composta primeiro sem palavras. Eu queria que estas confirmassem o clima que poderíamos obter com as programações.” – Caetano Veloso
Recanto escuro (Caetano Veloso)
Eu venho de um recanto escuro
O sol, luz perpendicular
Do outro lado azul do muro
Não vou saltar
Eu chego às portas da cidade
E nada procuro fazer
Espero, nem feliz nem gaia
Acontecer
Não salto mas sou carregada
Por asas que a gente não tem
A luz não me fulmina os olhos
Nem vejo bem
Em breve só saio de noite
A lua não me rasga o peito
Cool jazz me faz feliz e só
Não tenho jeito
O álcool só me faz chorar
Convidam-me a mudar o mundo
É fácil: nem tem que pensar
Nem ver o fundo
O chão da prisão militar
Meu coração um fogareiro
Foi só fazer pose e cantar
Presa ao dinheiro
Mas é sempre o recanto escuro
Só Deus sabe o duro que eu dei
Mulher, aos prazeres, futuro
Eu me guardei
Coisas sagradas permanecem
Nem o Demo as pode abalar
Espírito é o que enfim resulta
De corpo, alma, feitos: cantar
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