
Em 1921, Paul Válery escreve “Eupalinos ou o arquiteto”, para a revista Architetures, onde aproxima filosoficamente música e arquitetura. O espectro do Sócrates valeryano discursa e dialoga com Fedro sobre como a música, da mesma forma que a arquitetura (ou vice-versa), nos envolve de forma completa, tomando-nos todos os sentidos. Elevando assim a arquitetura ao patamar de arte espiritual e diferenciando-a da pintura e da escultura. Reelaborando assim a hierarquia das artes até então vigente (como aponta Guilherme Wisnik).
Motivo (2012), primeiro CD solo do pianista e compositor Rafael Martini, de Belo Horizonte, é como uma experienciação dessa aproximação no plano musical. Há nele construções que são ora sólidas, ora fluidas e mutantes; espaços-tempo que nos envolvem e sensações onde podemos habitar, formando, ao final, um projeto arquitetônico único.
Paredes de jazz, assoalho latino, teto de MPB e ornamentos de música erudita: mega construção feita com a força de trabalho de gente como Alexandre Andrés (flauta), Joana Queiroz (clarinete e clarone), Jonas Vitor (saxofone), Trigo Santana (baixo), Antonio Loureiro (bateria); de reforços de Leonora Weissmann (voz), Marcos Frederico (bandolim), Mariano Cantero (bateria), Sérgio Krakowski (pandeiro); e da criatividade e talento do engenheiro-arquiteto Rafael Martini (piano, voz).
Rafael Martini já é reconhecido e premiado, sua estreia solo vem com sabores bem temperados e imagens ricas em detalhes ontológicos, expondo linhas sinuosas e curvaturas sensuais, ficando muito distante do simples decorativo. Gravado ao vivo e com muita improvisação em um estúdio móvel, Motivo propõe uma relação horizontal com o ouvinte, onde a experiência estética de habitar as composições – de ser envolvido a ponto de se poder morar nelas – transforma-se em diálogo com suas colunas cantantes.
Ouvir suas canções significa estar dentro de sua construção, de seus acessos e corredores. Motivo é completa construção estético-habitacional humana no terreno da música, verdadeira obra de um Le Corbusier pós-guerra.
por Jocê Rodrigues.
Foto de capa: Rafael Martini – Créditos: Anita Kalikies
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