Por mais dez…

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Bixiga 70 no teatro da UFPE. Foto: Thercles Silva

Esse texto não quer ser uma resenha, nem tão pouco uma crítica. Mas é uma reflexão baseada na minha vivência dentro do Coquetel Molotov, festival de música que acontece anualmente em Recife, e que acompanho desde 2008. Esse ano, o evento completou dez anos de história e, desses dez, estive presente em seis. E olhando pra trás, percebo: os tempos são outros. Muita coisa mudou. A conjuntura econômica do mercado de música independente brasileiro, o cenário musical de Recife, as bandas, a cidade, o público e, consequentemente, o próprio festival.

Antes de qualquer coisa, o festival sempre chamou a minha atenção por dois motivos. O primeiro deles diz respeito à maneira como o Coquetel conseguiu romper com a música “cartão-postal” de Recife, ajudando a articular uma ideia de cena “indie” ou “pós-mangue” na cidade (pode parecer um debate ultrapassado, mas o programa de rádio e o festival são bastante relevantes). O outro motivo tem a ver com a capacidade gerencial e de curadoria do festival, que ao mesmo tempo conseguia unir nomes emergentes com alguns medalhões da música nacional e internacional. Afinal de contas, estamos falando do festival que unia e, ainda reúne, num mesmo teatro, nomes importantes como Tortoise, Milton Nascimento & Lô Borges, os Hermanos Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante, Dinosaur Jr, Beirut, Racionais MCs, Hurtmold e The Kills a bandas locais como A Banda Joseph Tourton, Mellotrons, Sweet Fanny Addams, Juvenil Silva, Vitor Araújo, Julia Says e tantas outras.

A primeira coisa que me ocorreu na edição deste ano é que estamos falando de um fenômeno cada dia mais raro na música nacional: um festival de música que completa dez anos. E como foi possível acompanhar ao longo desse tempo, tem sido um período muito estranho para a música independente no Brasil. Vimos o surgimento e o fim de várias instituições, como a Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin), e programas voltados para o fomento e patrocínio de festivais e eventos independentes, como o Conexão Vivo e o Oi Futuro. Saímos de um “oba oba” nacional com o segmento indie para um período de incertezas e preocupações na hora de fechar um lineup e pagar as contas. A descontinuidade de programas deste tipo torna o processo de produção ainda mais complicada e difícil, o que nos leva, em primeiro lugar, a reconhecer o mérito e malabarismo feito pela produção do festival em conseguir fazer uma programação relevante.

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Karol Conká no palco do Red Bull Music Academy Stage. Foto: Jéssica Lourenzo

Outro ponto que vale mencionar é como o próprio papel do festival se transformou ao longo dessa década. O Coquetel Molotov que até uns anos atrás tinha um papel de “descobridor” ou “revelador” de nomes obscuros do pop pernambucano, nacional ou internacional, através da prospecção de bandas independentes ou, ainda, através do projeto “Invasão Sueca”, que já trouxe a Recife bandas como Loney Dear, Shout Out Louds e Suburbian Kids With Biblical Names, só para citar alguns exemplos. Hoje, percebemos que o festival passou a ter um caráter muito mais consolidador ou legitimador. Ou seja, as bandas que se apresentam no festival possuem, em sua maioria é importante que se diga, uma trajetória sólida e já reconhecidas por parte do público. Daí vemos a importância (em proporções diferentes, é claro) de ter artistas como Cícero, Clarice Falcão, Karol Conká, Juvenil Silva, Hurtmold e Metá Metá na programação. Se por um lado, a própria trajetória do festival o coloca em outro lugar para negociações e entrada de artistas de fora em Recife, por outro, a limitação e a flutuação orçamentária fazem que um lineup que una qualidade artística e, principalmente, retorno de bilheteria cada vez mais necessário.

Além disso tudo, o cenário cultural local e o público são variáveis que mudam bastante com o tempo. Já foi o “mangue”, o “pós-mangue”, o “original Olinda style” e, agora, temos a “cena Beto”. Já faz tempo que ouço ecos dos shows, discos e produções desse pessoal, e é possível perceber a força desse “movimento”, quando vemos no show de Juvenil Silva (artista que abriu os shows do Teatro no primeiro dia do festival) um público já formado e conhecedor das canções que já estava de pé na frente do palco. Não me lembro de ter visto um show de abertura local tão animador quanto este, isso porque, o trabalho solo de Juvenil traz um acréscimo positivo a um festival marcado, historicamente, pela sonoridade indie.

Falando em público, esse ano foi interessante perceber uma transformação em especial. Não que seja uma ruptura total, mas é certo dizer que a programação deste ano teve um impacto muito grande com a faixa “teen”, levando muitos jovens, de idades entre 14 e 17 anos, pela primeira vez ao festival. É bem verdade que foram atraídos, em quase sua totalidade, por Cícero e Clarice Falcão. Lembro de conversar com o amigo Diego Albuquerque, chapa do Hominis Canidae, e perceber essas diferenças já na formação de uma fila para entrar no teatro já por volta das 18h (o teatro abriria perto das 21h), reflexo da euforia e empolgação juvenil (sem trocadilhos) com os shows. Todo mundo já teve 15 e 16 anos e sabe como é que é. Mas sabe qual é o barato disso? É ver que esse público que chegou cedo no primeiro dia e quis marcar lugar para ver os shows de Cícero e Rodrigo Amarante, foi exposto aos shows de Juvenil e dos paulistas do Hurtmold, o que, para mim, é a coisa mais legal de ir a um festival de música, seja ele pequeno ou grande.

Tendo em vista todas essas variáveis e transformações no cenário musical pernambucano, no mercado da música independente, no público, na cidade, que se mostram como desafios a serem superados por um evento deste tipo, espero que tanto os frequentadores de longa data do Coquetel Molotov, quanto os mais jovens que foram pela primeira vez ao festival possam conferir por mais tempo a atração mais legal de um festival independente: a sua continuidade.

 por Victor de Almeida

Foto de capa – Rodrigo Amarante no Teatro da UFPE, por Thercles Silva.

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Victor de Almeida Escrito por:

Pesquisador, professor e músico. É produtor do festival LAB.

2 Comentários

  1. 22 de outubro de 2013
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    Vocês deviam colocar nos títulos dos textos “Nós queremos transar com a cena beto!”.

  2. Carlos Gomes
    23 de outubro de 2013
    Responder

    Não transfira o seu desejo para os outros. Faça você um texto com esse título. Daí podemos continuar a conversa. abs.

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