
por Jeder Janotti Jr.
Tem rolado em alguns microcosmos dos arrecifes uma polêmica menor em torno das funções e do trabalho do crítico musical. Fruto de dissensos saudáveis (qual não é?) entre visões de novos personagens do fazer musical em Recife e de antigos novos, outros críticos, as escaramuças apontam até para supostas bulas sobre o que a crítica deveria ou não fazer.
Ah, como é bom desabitar em Recife, onde a etimologia ainda funciona, crítica é crise, pura “bueiragem”. Diz Simon Frith, professor da universidade de Endimburgo e antigo crítico de publicações como Melody Maker e Village Voice que, ao modo da crítica literária, os julgamentos de valor da música deveriam notar: 1- como a música funciona para funções implícitas, tipo: música para o carnaval é para fazer o povo frevar, certo? 2- Para uma audiência implícita e específica; não adianta tocar rock heteronormativo em festa gay e 3- que é comunicada como uma experiência em certos contextos; do funk não se espera mais do que ser um “bom” funk no baile funk.
Defenestrando o óbvio, parece necessário para o velho rabugento aqui notar como não fazemos esse tarefinha, afinal, como blogstars do micromundano, muitas vezes sucumbimos à egolombra. Como mostram história e fazer crítico, a crítica nada mais é que uma escuta atenta, dedicada, de fãs munidos de credenciais, de lugar de fala que imagina suas escrivinhações como habitante de um lugar privilegiado. Vale lembrar que as primeiras críticas do jazz foram feitas por jornalistas que estavam deslumbrados ao adentrarem uma cena de música negra que transformavam seus comportamentos em coisa de meninos criados com vó. Na verdade, esses críticos, tais como nós, eram colecionadores obcecados, “inventores” de genealogias que faziam os próprios músicos repensarem suas histórias. Seriam esses críticos, os primeiros babacools?
“[…] esses críticos, tais como nós, eram colecionadores obcecados, “inventores” de genealogias que faziam os próprios músicos repensarem suas histórias.”
Bem, veio o rock, arrombando a porta dos fundos, colocando um bando de adolescentes para encararem os valores de seus pais (e mães também), mas como era da natureza deles se transformarem em jovens, entraram para a universidade, queriam ser levados a sério. Com resquícios da crítica de jazz, surgiram ícones, com traços da crítica de arte, da contracultura, como a revista Rolling Stone. O que parece o ápice da história da crítica parece-me também do início da egolombra: tais como os empolados críticos de arte, os críticos de música pop passaram a julgar o rock como arte autônoma, cuja função era criar uma tal de experiência estética. E daí?
O problema é que rock é expressão estética e produto de mercado. Aliás, isso vale em gradações diferentes para qualquer coisa da cultura pop. Não dá para subir em um pedestal, como um Apolo, e ficar vaticinando o que tem ou deixa de ter valor estético. Música é atitude social, política, estética, e pasmem, caros jovens: comodificação. As frases clichês “queria viver de minha arte” e “não houve divulgação” pressupõem noções de si, e do mercado, por parte dos fazedores de música que passam longe do romantismo acrítico de parcela considerada dos escribas.
De outro lado, música pop não é só sonoridade, expressão sensível. Música Pop envolve sons, embalagens, circulação: falar sobre, passar a noite no empório (no boteco ou morte lenta que lhe convém!!!) discutindo aos berros a autenticidade da tal cena, o lado conservador da música de fulano e a chatice dos pop-cult-descolados. Quantas vezes somos sugados pelo ambiente cultural e afirmamos gostar ou não gostar de coisas que nem sabemos do se trata.
Eu que não sucumbo a minhas próprias bizarrices digo, sem ser pudicamente correto, que no último carnaval ouvia por todo canto aquela canção “Ciranda de Maluco/Aqui em Pernambuco é Bom Demais!” e torcia boca, ouvido e nariz (que deveria preservar para outras paragens carnavalescas). Neófito, dessabedor das coisas, achava que a música era do Ozzy “Eddie”, quando Raphoso, para minha surpresa tascou: “Mas isso é Otto, mago!!!”. Nesse momento, senti alívio, descarreguei uma tonelada de gostos engasgados. “Agora tu podes gostar”. Nada disso, eu já gostava, só não podia admitir. Afinal, música é som, como também ideologia, política, mesa de bar, valor dos gozos.
“Afinal, música é som, como também ideologia, política, mesa de bar, valor dos gozos.”
Por aí, aposto sempre no dissenso, mas não na contenta, na porrada. É da violência de tentar abdicar das zonas de conforto. Não repetir que aquela banda indie(gesta) amada pela crítica fez o show que se esperava. E sim, enfrentar. Criar zonas na internet, com alta circularidade, é massa: gera fofices com produtores, curadores, mantenedores, encanadores e DJs Dolores. Mas fuçar, espiar, prospectar é outro jogo, de outras regras, escaramuças: porra, ninguém viu o show de Cláudio N que aconteceu às cinco horas da tarde no esquenta – pra poucos verem – no lado gratuito do Coquetel? Eu não, sou barnabé, era hora de buscar meu filho na escola!
Não há premissas (êta palavra feia que dói!), balizas, dicas para jovens críticos? Sei lá, falo de notas de um velho ranzinza. Mas acho que há algumas bússolas estropiadas que podem nos ajudar:
1. Ninguém fala de um lugar de cima, com suposta neutralidade, nomear o lugar do qual se fala, reconhecer que o texto pressupõe um certo público já seria um bom ponto de partida.
2. Essa história de subjetividade, como gosto de cada um, é papo-água: crítico e músico querem reconhecimento de uma comunidade de conhecedores, de fruidores, de consumidores, agenciamento de vozes dissonantes.
3. O exercício crítico começa quando estamos ouvindo junto com outras pessoas músicas quaisquer. Muitas vezes nos vemos à beira do desespero, da incompreensão, da violência quando não conseguimos convencer o outro da beleza do que escutamos, e aí, no fundo, a boa crítica deveria conseguir realizar esse movimento, pedimos: mas pelo menos escute, pare, dirija sua atenção para essa música.
Exercitar desapegos não é fácil, não há mais credenciais vips para tantos críticos. Somos outros, parte de disputas sensíveis, mas longe de gostos distintos ou individuais. Queremos acompanhar, estar aqui, convencer ouvintes a vivenciar nossas escutas na diversidade das comunidades de gosto (nada fofas!) que gostaríamos de habitar (ou implodir!).
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