
por Jeder Janotti Jr.
Fomos afetados nas últimas semanas por um movimento em rede que nos obriga a pensar o modo como habitamos os arrecifes: Ocupe Estelita. Não há como se sentir imune à “comunidade de afinidades” que se fincou em nossos corpos nas últimas semanas. Mesmo os mais céticos ou ranzinzas, que como eu, preferiam não se movimentar a serem tragados por um corpo que se insinuava para além da economia trivial dos modelos impostos, e não pensado, de ocupação do solo, acabaram, por no mínimo, terem que (re)pensar o “prefiro não pensar”!
Não tenho como discordar de Caio Lima (Rua) ou Fernanda Capibaribe (UFPE). Trata-se de uma guerrilha estética. Sensibilidades diversas das institucionalizadas. No domingo (01 de junho), parte dos habitantes dos arrecifes mostrou que para além dos corpos dóceis do carnaval multicultural do prefeito Geraldo Júlio, há corpos dissonantes, que se forjam na interculturalidade. Culturas diferentes que reconhecem o singular no plural e não o homogêneo em uma mais da mesmice cultural.
Isso se inscreve em riscos, e traças, das quais não devemos nos distanciar. Reinventar modos de habitar a cidade que se inscreve de maneira dócil, e também dolorosa, em nossos corpos, é também desabitá-la. Reterritorializar lugares tradicionais como aquele de que política se faz nas urnas, no espaço público ou somente no enfrentamento jurídico de despachos da torre do nada de desembargadores que embargam paixões e afetos diferenciados.
A guerrilha estética se constrói no Ocupe Estelita desalojando o que parece naturalizado, mas não é óbvio. O modo de habitar a política para uma parte cintilante dos cidadãos do Recife já não se reconhece no papel de gentios que nos é outorgado, como canga afetiva, pela política institucional. Se reitores e prefeitos se tornam intermediários vazios da querência de nossos afetos, nem por isso a cidade e as universidades deixaram de serem construídas como corpos das redes que ocuparam o Cais.
“Como transformar algo efêmero, da ordem das territorialidades, de um atravessamento de nossas pobres fundações em algo que perturbe, de fato, a polícia da política institucionalizada?”
Para mim, foi uma ocupação estética em rede, da ordem do dissenso, em que tecidos, projeções, vagões, redes sociais, check-ins, artefatos musicais, aparelhos de cultura e corpos humanos propunham outros modos de entrar e sair dos arrecifes que nos povoam. Se a experiência estética desses corpos humanos e não-humanos são formas de habitar e desabitar o que parecia inevitável: o atual modelo desenvolvimentista do Recife; então, há também a emergência de um outro lugar da política (para além da polícia dos votos, dos prefeitos, e do consórcio do novo “velho” Recife). Como também de outros corpos que se insinuam para além dos prefeitos de boutiques ou de reitores sem opiniões (o que já mostra muito sobre suas opiniões).
Foi essa experiência, o circular por esses outros corpos, refazendo meu próprio corpo, que me fez sentir-me um desterrado diante de minhas próprias conceituações. Repensar o “Prefiro não”, substituindo por “prefiro não ser somente não”. Mas um assombro continua a ruminar minhas entranhas nessa difícil arte de tentar escutar um corpo que se recompõe. Como transformar algo efêmero, da ordem das territorialidades, de um atravessamento de nossas pobres fundações em algo que perturbe, de fato, a polícia da política institucionalizada?
Há meios de transformar esse efeito de presença, um desabitar os arrecifes em algo que possa, de fato, ocupar-se como afetos inscritos de fato nas possibilidades de, pelo menos, confrontar esses carniceiros de afetos, que como tubarões humanizados, querem devorar nossos fígados?
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