O contraponto em Stravinsky

Caetano Veloso

Igor Stravinsky (1882-1971), por uma daquelas coincidências ou acasos que ocorrem na história da humanidade, faz um paralelo entre os compositores da Tropicália, os elementos de bricolagem ou como ele próprio chama, pastiche, e a habilidade em lidar com ritmos, mexendo na ordem e com a ortodoxia rítmica da época, com a mesma ousadia das características do movimento tropicalista.

A comparação entre Stravinsky e Picasso no mundo da pintura é inevitável. E o paralelo entre ambos não ocorre apenas em suas conquistas e no impacto de suas obras. Ambos sofreram ataques mais do que o limite tolerável de críticas e escárnios desfavoráveis. Assim como o movimento tropicalista também possui paralelos com as artes plásticas, sendo inclusive o nome da música Tropicália (CALADO, 1997, p. 162), originada da obra de Hélio Oiticica. A mais polêmica obra de Stravinsky, A Sagração da Primavera, causou furor numa das ironias da história da música. A orquestra que executava o Balé, mal era ouvida, naquela noite caótica de 29 de maio de 1913. O maestro Pierre Monteaux regeu até o final uma execução musical que parecia um campo de batalha, transformando o Theatre des Champs Elysées em cenário de um pandemônio jamais visto anteriormente, nem pelo Balé Russo, e nem pelas elites presentes.

O público enraivecido tanto pela coreografia de Nijinsky quanto pelo som que conseguiam captar, urravam e vaiavam o que supunham ser uma forma de blasfêmia e de uma tentativa de destruir o que conheciam como música. As luzes do teatro eram constantemente apagadas para serem novamente acesas, numa tentativa de acalmar a ira e o pânico que se iniciava entre o público. Foi o maior caos. Há relatos que contam que alguns músicos da orquestra fraturaram ossos e se machucaram gravemente. Conta Jean Cocteau, que depois da estreia Stravinsky e Nijinsky abraçados choraram por horas no Bois de Boulogne.

Dois anos antes da estréia da Sagração, Stravinsky viajava em julho de 1911 para o condado de Smolensk, na Rússia, aonde se juntou ao pintor e arqueólogo Nichilas Roerich para compor o cenário do balé. Juntos procuraram resgatar e elaborar um antigo ritual eslovaco sobre a primavera. Caetano Veloso é vaiado com a canção É Proibido Proibir – no teatro TUCA, logo na introdução da canção, quando os primeiros ovos, tomates e bolas de papel começaram a cair sobre o palco. O público virou as costas para o palco, sem parar de vaiar e gritar. Frente à agressividade do público, a indignação de Caetano acabou explodindo sob a forma de um longo e ferino discurso, transformado em happening (texto e áudio do discurso de Caetano(CALADO, 1997, p. 221).

Até a roupa é pura provocação, porque tem uma linguagem como um sistema de signos, e com poder de crítica. Caetano quis despertar, ao vivo, a consciência da sociedade repressiva que nos submete, ao desafiar os tabus e os preconceitos do público com as suas roupas chacrinizantes e a intervenção insólita do solo de uivos do americano. Campos menciona os jovens do TUCA que se comportaram como a velha Condessa de Pourtalés, quando na apresentação da Sagração da Primavera de Stravinsky, em Paris (CAMPOS, 1993, p. 265). Na história da música, Schoenberg, Debussy e Eugene Varese também provocaram o desagrado do público, sofrendo críticas desfavoráveis e sendo vaiados impiedosamente.

Enquanto muitos experimentadores sérios da nossa música popular continuam a explorar as dissonâncias, dentro de uma estética impressionista, do fim do século XIX, os baianos e os Mutantes, junto com Rogério Duprat, já levam em conta músicas de Stravinsky e Webern, a Stockhausen e Cage, fazendo explodir os happenings, os ruídos e os sons eletrônicos e praticando uma poesia não linear, não discursiva, uma poesia de montagens viva e cheia de humor, poesia-câmara-na-mão, moderníssima. (CAMPOS, 1993, p. 265).

por Catarina Justus Fischer, Ovanil Fabrício e
Vera A. Assumpção Tavares de Carvalho

 

Excerto do artigo: O movimento tropicalista e a revolução estética. Disponível em: Mackenzie.br

Imagens disponíveis nos sites berkshirefinearts.com e jb.com.br.

 

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Outros Críticos Escrito por:

Desde 2008 atuam desenvolvendo projetos de crítica cultural na internet e em Pernambuco. Produziram livros e publicações, como a revista Outros Críticos, além de coletâneas musicais e debates, como os do festival Outros Críticos Convidam.

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