MÚSICA E A CIDADE: Pensando políticas públicas para o Recife

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Notícias da Redação do site do Diario de Pernambuco (01/07/2011) “Recife vai ganhar uma rádio pública, após uma luta de nada menos que 50 anos. A emissora, batizada de Rádio Frei Caneca, recebeu concessão do Ministério das Comunicações e deve começar a funcionar a partir de dezembro deste ano, na frequência 101,5 (FM). Na programação, música pernambucana, resgate da história da cidade e as agendas cultural e política do município.” – Foto: Ed Wanderley/DP/D.A Press

por Bruno Nogueira.

Quando fui convidado para escrever uma coluna aqui no Outros Críticos, foi fácil pensar que meu interesse maior era escrever sobre a relação entre a música e a cidade. Difícil era materializar isso de uma forma que fosse minimamente provocativa e saísse do lugar comum do que já é escrito por aí. Numa das minhas eternas reflexões acochadas pelos ônibus da nossa Região Metropolitana, me caiu a ficha de uma constante crítica minha a ausência de debates sobre políticas culturais em espaços especializados. E é isso que pretendo fazer aqui, como falei, de forma um tanto provocativa, fora da zona do conforto. Me chamo Bruno Nogueira, sou jornalista e, desde 2005, pesquiso a relação entre música, consumo e sociedade, sejam bem vindos.

A ideia de escrever sobre políticas culturais bateu enquanto respondia a uma entrevista ao Diario de Pernambuco sobre a implementação da Rádio Frei Caneca da Prefeitura do Recife. Esse é um assunto que me incomoda particularmente por dois motivos: a persistência em um sonho que ficou datado, já que o veículo rádio representava outra coisa no momento que a ideia foi lançada (o projeto é de 1960). Mas principalmente, por esse ser um posicionamento de classe. A música (e o cinema também), em todo o Brasil, passou a ser tratada como uma entidade de classe. E isso é um tanto problemático para se pensar em políticas culturais.

Acho que a inquietação central que abre essa coluna é: o que é uma política cultural? A quem ela deve servir? O discurso colocado por entidades, de forma simplória, é que se a música pernambucana não toca nas rádios, então o poder público deve criar uma rádio para que essa música toque lá. Fiquei pensando em paralelos possíveis. Como uma entidade de arquitetos angustiados porque os grandes escritórios não os deixam desenvolver prédios residências, exigindo que a prefeitura faça prédios residências para que eles o desenhem sob o pretexto de formatar o horizonte urbano. Ou uma entidade de jornalistas que, ao serem deixado de fora dos grandes veículos, exigisse que um “jornal público” abrisse espaço para que eles também escrevessem suas matérias.

Entender o que é uma política pública é entender a quem ela deve servir. A prefeitura é um órgão que precisa, antes de tudo, atender o cidadão. A escola pública não está lá para atender uma demanda dos professores, mas do jovem estudante que não tem acesso ao ensino privado. Assim como a saúde pública, transporte público etc. Então, antes de uma demanda apresentada por uma entidade de classe (e esse é um problema ainda maior, porque são várias, mas fica para outro texto), será que existe uma demanda mapeada ou formalmente apresentada pela população em relação ao acesso à cultura? Seja via veículos de comunicação, no caso da rádio, ou via outros meios, como shows etc?

“[…] um exercício interessante para uma gestão pública de cultura: mapear qual é a demanda de cultura de um povo.”

As rádios, em seu formato atual (que ainda é o mesmo, de concessão, desde sua implementação no país) é uma solução muito parecida com a dos transportes públicos. A prefeitura faz a gestão das ondas de frequência (das ruas) e repassa um direito a empresas privadas, como as rádios, de ficarem a cargo de qual conteúdo passa por essas ondas (tal qual as empresas de ônibus e as linhas). A diferença é que ainda é confuso – desde a época da criação do projeto da Frei Caneca, que já completou 50 anos – a quem essas empresas deveriam atender. E esse seria, talvez, um exercício interessante para uma gestão pública de cultura: mapear qual é a demanda de cultura de um povo. Algo que, inclusive, que me parece estar nas pretensões do programa Vale Cultura do Governo Federal.

O que deixa essa questão mais confusa é que, diferente da circulação por vias públicas, a circulação de conteúdo musical cresceu e se modificou bastante nesse tempo. A prefeitura não procura intermediários, por exemplo, quando se trata de shows e festivais, assumindo um papel confuso de produtora de eventos. Se pensarmos em “concessões públicas” para operação de “palcos públicos”, como acontece com as rádios, talvez nos ajude a expandir esse problema que é definir o que é, afinal de contas, uma política cultural? Ou, melhor, qual deve ser a política cultural do Recife e de Pernambuco?

“[…] vejo o “multiculturalismo” como uma falácia para gerar zona de conforto, visto que toda região é, indiscutivelmente, multicultural.”

Para encerrar dando um norte ao raciocínio, particularmente, sou a favor que o poder público levante bandeiras específicas. Política é, antes de tudo, um processo de definir lados (e nossa corrida presidencial atual tem mostrado isso mais que tudo). Então é natural que uma política pública não tenha medo de definir de que lado está. Porque, particularmente, vejo o “multiculturalismo” como uma falácia para gerar zona de conforto, visto que toda região é, indiscutivelmente, multicultural. Nos interessa ser multicultural (a partir de uma perspectiva democrática que, significa, ter uma política cultural que atenda ao forró eletrônico pornográfico, por exemplo)? Ou seria interessante uma política cultural que demarque territórios com discurso como “nosso trabalho nos próximos quatro anos vai ser concentrado exclusivamente no Frevo” (ou dois ou três segmentos, que seja… É só para ilustrar).

Incomoda? Talvez sim. Mas o processo político precisa incomodar, em determinados aspectos, para que uma sociedade se torne politicamente ativa, para o bem, ou para o mal. Principalmente porque nenhuma gestão, nem com 20 anos no poder, vai conseguir atender demandas específicas de todos os segmentos, sob um pretexto que aqui se plantando de tudo dá. Pensar em uma política pública cultural, seria, então, pensar em representatividade. Qual a cultura, quando se trata da música, que nos representa de fato? E qual é a que nós – como cidadãos, e não como entidade de classes – gostaríamos que fosse a que nos representasse?

Pontos finais

1. Em tempo, ainda sobre a Frei Caneca. Acho que, pela primeira vez, a prefeitura tem boas chances de ir a uma boa direção, porque tem na coordenadoria de música uma das equipes mais acertadas hoje para se pensar uma rádio pública, sob a tutela de Patrick Torquato. Para eles, mais que provocação, fica a sugestão: pensar a rádio fora do dispositivo tradicional, mas como uma forma de distribuir conteúdo musical em fluxo contínuo. Rádio Web é um começo importante. Mas Recife é uma cidade perfeita para pensar em soluções como um Netflix da música ou, melhor, um #ocupe-wifi! Conteúdo distribuído via redes de internet em espaços públicos.

2. Falei de concessão pública para palcos públicos… Talvez mapear boas ações de palcos na cidade seja um ponto fundamental. Tivemos a inauguração do mais que necessário Estelita na cidade. Um espaço para 400 pessoas, com boa curadoria e bons serviços. No passado, a prefeitura repensava os impostos e tributos cobrados a iniciativas que são fundamentais para difusão de cultura na cidade. Imagina o quanto um espaço como esse poderia crescer com um incentivo desses?

Imagem de capa: Av. Dantas Barreto – Recife/PE – 1960

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Bruno Nogueira Escrito por:

Jornalista, Doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, atualmente desenvolvendo pesquisa de Pós-Doutorado na UFPE.

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