Mercadorias e futuro

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Fotos por Adolfo Santos Sonteria. Show de abertura de Juvenil Silva no palco do teatro da UFPE.

Já passava das 20h, quando o músico Juvenil Silva se aproximou de mim e do jornalista AD Luna para uma breve conversa, já que dali em instantes, as canções de Juvenil estariam à prova de uma plateia que, desde muito cedo, formava fila para garantir lugar nas primeiras cadeiras do Teatro da UFPE, no primeiro dia do festival No Ar Coquetel Molotov. Cícero e Rodrigo Amarante eram as apostas que explicavam o grande caracol que circundava o hall do espaço.

Juvenil estava inseguro. Insegurança e medo não são adjetivos que normalmente acompanham a quem deseja vender um produto, a quem tem que convencer o cliente de que sua mercadoria vale a pena o investimento. Como estamos falando de arte, especificamente de música, esses ingredientes enriquecem mais do que atrapalham uma apresentação musical. A arte é feita dessa receita, o resto é pura maquiagem.

Enquanto AD Luna e eu discutíamos sobre os percalços do jornalismo musical, nossas angústias e apreços, nos poucos minutos que pude observar Juvenil falar, cada vez mais pude confirmar o engodo que é cunhá-lo como líder, articulador ou o que quer que seja da “Cena Beto”. Concordo quando Diego Albuquerque fala em “cena forjada”, pois a invenção dessa cena diz muito sobre o momento em que a música e o mercado atravessam. É preciso articular marcas para a venda de produtos, porque para aqueles que a escuta individual e atenta, a pesquisa cuidadosa e a intervenção crítica são mecanismos de produção secundária, nada mais que buscar na prateleira a última novidade do mercado. O quanto há de oportunismo dos próprios músicos, produtores, jornalistas e críticos (quando há) que rotulam e cercam os diferentes músicos enclausurados nessa cena, só o tempo irá dizer.

A maioria da plateia imberbe que enchia o teatro – tendo já de cor as músicas que queria cantar (Cícero ou Amarante?) – recebeu a apresentação do álbum “Desapego” com uma atenção e respeito que me impressionaram. As primeiras canções serviram para que o nervosismo começasse, aos poucos, a se transformar em combustível para a criação e improviso de cena. A troca da calmaria pela urgência fez com que o show de Juvenil crescesse em canções como “Se ela nunca…” e “Vou tirar você da cara”. A exibição do clipe “Desapego” funcionou bem para a que a plateia pudesse associar música e imagem e, a quem sabe, buscar novas audições. O que há de enfadonho e repetitivo nas escolhas estéticas do primeiro álbum de Juvenil, se desfaz na pulsão e presença que algumas de suas músicas e sua própria persona impõem. A música de Juvenil Silva é afeita ao esporro ao vivo, as gravações em disco tornam tudo mais careta, quadrado. Equilibrar essas nuances não é tarefa fácil.

A apresentação de Juvenil Silva para um teatro repleto de fãs alheios dá o tom de como o festival No Ar Coquetel Molotov procurou, nesses 10 anos, misturar novas bandas e músicos de Pernambuco com apostas e artistas de outras partes do país e do mundo. Resta sabermos se as escolhas futuras serão articuladas primariamente pelo mercado ou pela escuta dissociada de rótulos, pré-disposições, cenas ou imprensa acrítica. Continuarei a torcer pela estranheza, de quando sentava no teatro disposto a ser surpreendido. Mudamos nós ou o mercado nos mudou? Mais uma vez, só o tempo irá dizer.

por Carlos Gomes.

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Carlos Gomes Escrito por:

Escritor, pesquisador e crítico. É editor dos projetos do Outros Críticos, mestre em Comunicação pela UFPE e autor do livro de contos "corto por um atalho em terras estrangeiras" (2012), de poesia "êxodo," (CEPE, 2016) e "canto primeiro (ou desterrados)" (2016), e do livro "Canções iluminadas de sol" (2018), um estudo comparado das canções do tropicalismo e manguebeat.

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