luzes, luz: três ficções sobre o festival no ar coquetel molotov

uma crina platinada, ruído, corpo em movimento. pés, patas, animal pesado, canção músculo firme, uma cavala. mas a voz de bicho barulho é doce doce como num espelho diante das vozes, do coro de olhos e suores. – alguém há de gritar “sapata” – alguém há de cantar “rainha”. como espelhos, sim. o grito na canção popular pode ser movido também por palavras. ruídos constroem imagens, poéticas, invenções. caetano, chico, as mulheres ficções, os homens ficções, podem ser reinventados. –  não é preciso refundar a canção. uma voz coral percorre as tradições: sopra, morde, vocaliza palavras e histórias. legenda nº 1 – sozinha com seus sons-performances, maria beraldo fotografada por hannah carvalho.

no bairro de casa amarela, na escola pública dom vital, não há quem não conheça a potência da poesia de adelaide santos (- ela é minha vizinha, comenta uma das estudantes. – ela me ouviu declamar uma vez, conta uma outra. como é bom ouvir isso.), do narrar-cantar versos de bell puã, do vigor discursivo de luna vitrolira – sua voz trovoa e acalenta, da rítmica de bione e do deambular de miró da muribeca. (obrigado pelas histórias delas e de outros, erika e lenne, eric e continente, os estudantes adoraram). digressão à parte, tenho que distender o tempo de escola entre realismos, naturalismos, parnasianismos e simbolismos para mostrar-lhes 808 crew – há poetas demais no escuro). a poesia slam é áfrica mar, diáspora, deslocamento – arte combustão, precisa de muito pouco, muito pouco para explodir. a poeta canta no braço. a poeta vê no ar do lugar desejo e som. outro fogo, outro fumaça. a poeta quer expandir a voz. se cantar é nós, seu desejo é palavra e som. outro corpo, outra mirada. legenda nº 2 – narrando verbos, adelaide, 808 crew, bell puã e luna vitrolira fotografadas por hannah carvalho.

uma árvore luminosa, a cantar uma tradição ressignifcada por ela e pelo grupo de músicos que formam um som-coletivo, repleto de luzes, mas também de escuridão. um corpo no mundo ao vivo é uma luz no escuro. percussão e dedilhados conduzidos pelas cordas manejam um ambiente por onde a voz de luedji circula. os vocais que a acompanham dobram os sons com outras frestas reluzentes. mas ela sabe também revelar potência de dentro da escuridão do mundo: violência, racismo, discriminação fluem dolorosas, mas como poéticas críticas que realçam sensibilidades, profundidades. não há uma vírgula fora de lugar. há ela, sim, deslocando-se entre ancestralidades, tempos presentes, tradições, vanguardas – um mesmo corpo que fala, canta e evoca outros corpos, é vento. e quando chegar o tempo da escuridão total, alguém terá que hastear a bandeira. escuta o vento tremular, é esse o sinal. legenda nº 3 – luzidia luedji luna fotografada por tiago calazans.

Foto de capa: Hannah Carvalho. Faixa criada pelo artista Aslan Cabral.

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Carlos Gomes Escrito por:

Escritor, pesquisador e crítico. É editor dos projetos do Outros Críticos, mestre em Comunicação pela UFPE e autor do livro de contos "corto por um atalho em terras estrangeiras" (2012), de poesia "êxodo," (CEPE, 2016) e "canto primeiro (ou desterrados)" (2016), e do livro "Canções iluminadas de sol" (2018), um estudo comparado das canções do tropicalismo e manguebeat.

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