
A sessão de encerramento do festival Janela Internacional de Cinema do Recife, que ocorreu no último domingo, com a projeção do filme Metropolis (1927), de Fritz Lang, diz muito sobre os rumos políticos e culturais pelos quais atravessamos todos nós, reféns de um pretenso desenvolvimento alicerçado pela destruição do patrimônio simbólico da cidade, sua memória e cultura. É enriquecedor que a fila para entrar no cinema São Luiz, no centro da cidade, de alguma forma, ao se estender ao redor do edifício onde está localizado o cinema, forme um imenso abraço na arquitetura de pedras e afetos de que ele é feito. No entanto, as janelas dos cinemas Moderno, Veneza, e de tantos outros alquebrados pela desconstrução histórica, estão fechadas, em ruínas. Mas se tivéssemos ocupado esses espaços com o mesmo carinho e respeito que ocupamos o São Luiz durante a Janela Internacional, será que teríamos tido força para evitar que essa memória tivesse sido apagada?
Uma forma para que espaços de circulação de bens culturais, como o São Luiz, ou os teatro do Parque, Apolo, Hermilo Borba Filho, e tantos outros, não desapareçam, é pela ocupação diária. Os gestores dos teatros têm que estar abertos à exibição de filmes, espetáculos musicais, de dança, performances de todo o tipo, debates, mostras etc. A restrição de um espaço a um determinado tipo de manifestação artística jogará a favor do sucateamento do equipamento e consequente abandono pelo Estado. É possível respeitar as características de cada equipamento e, ao mesmo tempo, dá espaço para outras linguagens.
Ao assistir Metropolis ao som do trio de músicos argentinos Mudos por el Ceuloide, vi como é extremamente possível fazermos do cruzamento de linguagens uma característica inerente à difusão cultural na cidade. Assim, a hibridação dos gêneros artísticos deve ser pautado por uma mobilização coletiva dos diferentes artistas em prol de sua disseminação, sobretudo nos espaços públicos. As cenas do filme de Lang são dança, teatro e performance, um grande corpo de baile incorporado pelas máquinas. Por trás de um discurso aparentemente ingênuo, regido pela dualidade das forças homem versus máquina, somos atraídos pelo fascínio em torno da figura construída à imagem e semelhança do homem. A máquina representaria o homem que desejamos ser.
De tal modo, o fascínio pelos imensos prédios de luxo, de costas para a cidade e pela memória cada vez mais submersa, tem se tornado símbolo de um novo Recife, em que moradias são caixas de variados comprimentos, os espaços culturais são privados, lotados dentro de shoppings, esses, muito rapidamente, “engolirão” as cidades; quando menos percebermos, estaremos nós, cercados pelos muros de uma empreiteira qualquer. O que aconteceria de qualquer jeito. Mas eu prefiro abrir as janelas pra que entrem todos os insetos.
por Carlos Gomes.
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