
por Diego Albuquerque.
Quando fui convidado para escrever este ensaio sobre Walter Areia, ou simplesmente Areia, a primeira questão que me veio à mente foi: o que seria um ensaio? Na minha concepção, seria algo que você faz previamente e, de preferência, na surdina, até chegar num resultado final satisfatório. Segundo o dicionário, é uma experimentação prévia destinada a verificar se algo serve ou não para determinado fim. Percebi o quão bem o termo ensaio se encaixa com o padrão musical que Areia desenvolve em seu trabalho solo autoral.
O músico estudou no conservatório de música do Recife, onde conheceu a teoria musical e teve contato com diversos discos que viriam a ser referência para o resto de sua vida. Aprendeu a tocar baixo e adaptou o instrumento ao seu método de tocar, a ponto de ser considerado um dos melhores baixistas da música nacional na atualidade. Esse status apenas aumentou quando ele resolveu se dedicar à paixão pelo contrabaixo acústico, instrumento pouco difundido e utilizado no Brasil.
Walter Areia, um músico mais experiente, já tocou diversos estilos e com vários artistas, entre eles, Alceu Valença e Naná Vasconcelos. Integrou bandas que se apresentaram em navio, viajando em cruzeiros mar adentro. Tudo na época de sua juventude, quando se considerava apenas um mero operário da música. Além de ser popularmente conhecido pelo seu ótimo trabalho como baixista na banda Mundo Livre S/A, um dos grandes ícones da geração mangue pernambucana.
Em 2001, se arriscou pela primeira vez em carreira solo, sob a alcunha de Areia Projeto, lançando de maneira independente o disco A Décima Lua, que foi gravado com a ajuda e participações de Elias Paulino (cavaquinho), Maíra Macêdo (bandola) e Flávio Mamoha (violão). Um álbum que, segundo o próprio, nem ele mesmo possui uma cópia, mas que serviu de rascunho para o que estava por vir, e por quais caminhos ele deveria trilhar em suas composições.
Dez anos depois, em meio à inquietação do homem-músico, ele cria o projeto Areia & Grupo de Música Aberta, no qual o compositor resolveu realizar ensaios para o público. E esse talvez seja o maior mérito do projeto de Música Aberta. Quem já teve a oportunidade de acompanhar uma apresentação do grupo, deve ter tido a sensação de presenciar um ensaio aberto de uma banda no palco ou algo parecido com isso. Na realidade, as canções do Areia & Grupo de Música Aberta partem de um tema inicial e se transformam em meio aos improvisos. Ou seja, você não está assistindo um ensaio aberto, apenas a pura arte da improvisação!
Na música, a improvisação consiste na habilidade de, ao mesmo tempo, produzir e interpretar, independente dos parâmetros harmônicos ou rítmicos, melodias, ritmos ou vocalizações. Sendo assim, o grupo faz com que as músicas-temas durem o quanto os integrantes acharem necessário, sem medo de errar. Na realidade, errar faz parte do processo. O intuito máximo é atingir a satisfação musical, seja para quem está tocando, como para quem está ouvindo. O primeiro registro lançado pelo projeto, Para Perdedores (2011), começa bem já no título. Um disco dedicado às pessoas consideradas perdedoras em uma sociedade na qual a necessidade de ganhar é absurda. Canções para quem têm necessidade de praticar o desapego, ajudar o próximo e não derrubá-lo! Alheio a todo o contexto filosófico possível de extrair do título do trabalho e de suas canções, musicalmente, Areia se baseou na improvisação cíclica da música oriental e do mote dos cantadores nordestinos do Brasil.
Porém, me arrisco a dizer que as influências vão muito além, ao longo dos quatro temas que compõem o disco. “Do Início ao Fim de Tudo”, faixa que abre os trabalhos, é um misto de jazz popular e o choroso fado português. Em “Maracatu de Baque Etéreo”, a musicalidade africana e suas batidas se fazem presentes até no título da canção, aliado a um jazz de primeira linha e mais clássico. “Ciranda de Três” nos leva ao interior, ou aos tempos passados, como se nos convidassem a voltarmos a sermos crianças para irmos brincar (ou dançar) na rua. Fechando, “A Joia do Universo”, uma música do mundo, com nuances que interligam diversos estilos, mantendo a calmaria que o mundo necessita nos dias de hoje.
10. Walter Areia – Do Início ao Fim de Tudo by outros críticos
Todas as composições foram gravadas em seu primeiro take, durante uma noite no estúdio Muzak. Foi também o primeiro encontro ocorrido pelos integrantes do quarteto. Tal desprendimento deixa claro o quão aberto ao diálogo e à troca se encontra o compositor, característica adquirida, talvez, fruto do hare krishna, religião que Areia segue há mais de dez anos. O bom resultado apresentado no disco deixa clara a percepção aguçada deste grupo de intérpretes, em todos os arranjos de cada uma das canções.
Para tal excelência no resultado, parceiros escolhidos a dedo, pessoas que se identificam, não só pelo respeito à música, mas também em personalidades e ideias. Fazem parte, e se unem ao contrabaixista e mentor do projeto na gravação do disco e nas apresentações da banda, Ivan do Espírito Santo (Saxofone), Julio Cesar (Acordeon) e Cassio Cunha (bateria).
Para Perdedores é um trabalho que precisa ser degustado com atenção, de mente limpa e coração aberto, tal qual a música que Areia pratica.
Publicado originalmente na coletânea no mínimo era isso: 10 bandas, 10 ensaios
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