Guia prático para a crítica cultural: pautas

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Assim como o músico David Byrne, que nos anos 1990 descobriu Tom Zé através do disco “Estudando o samba”, pela curiosidade inicial que a capa do disco provocou nele, Silvio Essinger, do jornal O Globo, foi atraído pela capa do álbum “Desapego”, de Juvenil Silva. No lugar de uma loja de vinis, Essinger encontrou o disco de Juvenil num site que disponibiliza discos para download, o Hominis Canidae.

Por ocasião do lançamento da coletânea musical do festival A noite do desbunde elétrico, organizada por músicos que compõem a recém batizada Cena Beto [sic], o músico Glauco César II fez o seguinte comentário sobre a composição de sua faixa presente na coletânea:

“A música ‘Perigo no lixo’ surgiu depois de uma tentativa de divulgação de shows da banda por e-mail. Percebi que todos os e-mails enviados estavam indo para a lixeira dos destinatários. Comecei a sentir que estávamos entrando na vida das pessoas através do lixo, e não da porta. Achei interessante esta situação e comecei a fazer a música que usou desta parábola real para falar de algo mais espiritual, de um mal que mora em todos os detalhes.”

Um dos grandes gargalos do jornalismo cultural passa pelo repertório repetitivo e acrítico das pautas selecionadas. Não raro, a mesma notícia passeia incólume pelos principais jornais brasileiros. Quando não é exatamente a mesma (via agências de notícia), vemos como os releases dos assessores de imprensa são picotados aqui e ali. O que deveria servir como suporte à escrita autoral, é transformado em matéria prima para a escrita anônima. Desse modo, as máquinas de produzir notícias em série estão jogando a capacidade criativa e técnica de uma geração de jornalistas no lixo, exatamente como os e-mails de Glauco.

Com a proliferação de sites e blogs de música, é quase certo que em algum lugar o trabalho mais pop, ou o mais experimental, receberá algum tipo de atenção. A proliferação de nichos críticos para música não é de todo mal, já que cada veículo (e as pessoas que escrevem nele) tem suas preferências musicais; com a diversidade de escritas, teremos também um número maior de bandas sendo analisadas. O problema é quando vemos repetir nos sites de música os mesmos procedimentos que pautam a maioria da imprensa. Às vezes, vale mais se agarrar àqueles dois ou três sites, duas ou três páginas impressas, e torcer para que a paixão pela música continue replicada no prazer de compartilhá-la em forma de escrita.

Outro sintoma que mora na definição das pautas, é quando um jornal de grande circulação, geralmente de São Paulo ou do Rio de Janeiro, escreve sobre uma determinada banda, escritor ou manifestação cultural que reiteradas vezes passou às margens da imprensa do referido local. Com isso, os jornais se veem obrigados a ter que (também) darem atenção para o artista, como se a relação causa e efeito não ficasse visível para ambos.

Por isso, pergunto: A leitura de uma cena local através do filtro de fora da cidade ajuda ou atrapalha na compreensão crítica e artística de um determinado trabalho? Silvio Essinger está para Juvenil Silva assim como David Byrne esteve para Tom Zé?

por Júlio Rennó.

Foto de capa: David Byrne/Site SugarBang

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Júlio Rennó Escrito por:

Heterônimo. Assinou a coluna "guia prático para a crítica cultural" na revista e site Outros Críticos. Não era um guia.

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