
por Júlio Rennó.
“Há cada seis meses O Globo descobre uma nova cena no Recife” – Barbara Woolfer – Revista de Cinema
De antemão, peço desculpa aos leitores por tratar mais uma vez sobre o tema cenas musicais. A culpa toda é do editor deste site, que me incumbiu da tarefa de escrever uma coluna, especialmente para a revista que sairá em janeiro, com o seguinte título: “Guia prático para a crítica cultural: Cena Beto”. Como me encontro num retiro heteronímico, só consigo ir às ruas nas sextas-feiras, e, nas 24h que se seguem, tento ficar a par de muitas das discussões sobre o assunto. Não dou conta. Porque a ironia, o deboche e a maledicência (ambas coisas diferentes) escolhem lugares para aparecer onde eu não consigo estar. Se nem um fato novo acontecer, e eu espero que aconteça, não voltarei a tocar no assunto. Feito o preâmbulo, agora posso voltar a escrever.
Um dos projetos mais interessantes que aglutinaram e deram voz a uma produção verdadeiramente ampla, diversificada e à margem das audições oficiais, foi a série de coletâneas Recife Lo-fi, que chegou a três números, além da produção de shows de inúmeros músicos. Relembrar essa reunião – e motivá-la aos novos encontros – deveria estar na linha de frente dos próprios músicos que dela fizeram parte. Diante da liquidez das informações, abundância de iniciativas e opiniões disparadas por todos os lados, todos os blogues (como as minhas opiniões), fortalecer um projeto como o do Recife Lo-fi em nada atrapalharia os diferentes projetos, cenas ou o que quer exista para se abençoar ultimamente. Um dos grandes incentivadores (se não o maior) foi a extinta Trama Virtual. Se não me engano, a 1ª edição foi lançada com exclusividade no site. Numa entrevista entre Trama Virtual e Recife Lo-fi, o seguinte trecho é revelador do que penso sobre as discussões atuais sobre cenas:
“No que os caras da cena lo-fi de Recife se diferem das de outras cenas da cidade? Não é tudo a mesma coisa, um monte de gente se articulando, eventualmente com ajuda institucional (via editais, etc), em nome da solidificação de alguma coisa em matéria de música & mercado? Tem alguma diferenciação séria?
Na verdade não chega a existir uma cena lo-fi, outra cena mangue, outra cena punk, metal ou glam, é tudo junto. Todo mundo se conhece, frequenta praticamente os mesmo lugares. A diferença é que muitos artistas não conseguem ter seu material gravado via edital por não ter a famosa “contrapartida social” ou não ter um “apelo regional direto”, isso ganha pontos para aprovação, ou por não estarem inteirados com a estrutura desses editais […]”.
Tivesse o jornal O Globo estampado a seguinte chamada: “Recife revela cena musical lo-fi”, com a fotografia de outro músico na capa, que tipo de repercussão nós teríamos? Concordo que fazer um jogo de adivinhação não nos levará a lugares melhores do que o que já estamos. Mas experimente (músicos, críticos, produtores, jornalistas, leitores) pôr na balança diferentes iniciativas culturais, e, com um pouco de atenção (e escuta), perceberá que compactar a música produzida em Pernambuco em diferentes comportas, não fez, não faz nenhum sentido.
P.S. Notaram que na escrita dessa coluna não citei nenhum nome de banda ou músico? Fiz com a intenção de criar, eu também, uma nova cena cultural, a da crítica anônima pela heteronímia. Até a próxima.
Arte de capa: Recorte do projeto gráfico original de Bruna Rafaella e Zeca Viana para a coletânea.
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