Estelita, mon amour

Conheci as pessoas com as quais o grupo Direitos Urbanos seria formado numa audiência pública lotada de gente, na Câmara de Vereadores do Recife, em março de 2012. O que eu vi, senti e experimentei naquela audiência pública foi um vínculo. Não apenas com as pessoas, mas com as ideias. Não eram ideias novas. Ao contrário. Mas havia nelas algo novo: elas tinham saído do plano das ideias. Eram ações, eram verbo e emoção. O Direitos Urbanos foi concebido ali, offline, e parido online, no mesmo dia. O sucesso do DU foi imediato e evidente e se explicava pela mistureba de gente com as mais diferentes formações técnicas, profissionais, diferentes classes sociais e visões de mundo e uma coisa em comum: um desejo de interferir na vida da cidade, o que o grupo fez e faz com essa mescla de atuação on e offline, como com a propositura de ações populares, representações ao Ministério Público, pedidos de informação, elaboração de projetos de lei, participação em audiências públicas, assento no Conselho da Cidade do Recife, além, é claro, de fomentar o fórum de discussão sobre o direito à cidade nas redes sociais.

Entre as ações mais importantes do grupo, está o OcupeEstelita, que iria, em 1º de junho de 2014, para sua terceira edição. Duas semanas antes disso, porém, algo ocorreu: em 21 de maio, o consórcio Novo Recife, a despeito de cinco ações judiciais em curso, três das quais ações populares propostas por nós, iniciou a demolição dos galpões na calada da noite. A notícia se espalhou e rapidamente centenas de pessoas chegaram ao local. Em poucas horas, o Cais estava sendo ocupado em caráter temporário e indefinido, por um grupo flutuante de pessoas, que desbordou do Direitos Urbanos, ganhou as ruas e deu ao Cais vida. Vida política, artística, cultural. Com gente vinda de todos os lugares, inclinações políticas as mais distintas, contradições, tensões, mas também muita beleza, poesia, trabalho e determinação.

“Somos um mosaico humano movido pela ideia de apropriação da cidade […] marcado pela ampla participação popular.”

Somos um mosaico humano movido pela ideia de apropriação da cidade que construiu não apenas uma proposta alternativa para o Cais, mas um projeto alternativo de política urbana, marcado pela ampla participação popular. Por isso, nem mesmo a ação policial de extrema violência, ilegal e grosseira, comandada pelo governo do estado de Pernambuco a pedido dos empresários que financiam suas campanhas políticas, conseguiu colocar fim no nosso movimento. Porque nosso movimento se move, seduz, contagia e se espalha do Cais por toda a cidade. Se antes o que havia me seduzido tinha sido a capacidade de transformar ideias em ações, o que é sedutor agora é a capacidade de transformar a ação em uma ideia. Uma ideia vivenciada de ocupar os espaços, ocupar as praças, ocupar a cultura, ocupar a política, ocupar Recife, que ocupa Estelita.

Foto de autoria do Coletivo Coexistir: Diogo Lopes, Pedro Andrade e Renata Pires.

Publicado originalmente na 4ª edição da revista Outros Críticos.

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Liana Cirne Lins Escrito por:

Professora Adjunta da Faculdade de Direito do Recife e do PPGDH/Mestrado em Direitos Humanos na empresa Universidade Federal de Pernambuco.

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