entrevista: Wandula

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Edith de Camargo (voz e acordeon) e Marcelo Torrone (piano e teclado) conversaram conosco sobre o antes, o à margem e o porvir da banda Wandula. Com apenas dois álbuns lançados, a banda é reconhecida por unir elementos da canção erudita, popular e pop através de temas instrumentais e canções cantadas em inglês, português e francês. De Curitiba, a banda prepara para 2014 um novo disco. No entanto, os músicos podem ser encontrados em trabalhos solos e em bandas como o Copacabana Club e The Bad Folks.

por Carlos Gomes.


A banda Wandula é conhecida por experimentar a partir do mínimo. Cada nota, melodia, acorde, vai crescendo, ou se desenvolvendo, em movimentos que lembram, por exemplo, a chuva. Pequenas gotas, pequenas, daí crescem, então, tempestade. De que maneira a formação inicial da banda, em trio, e acústica, evidenciou essa característica?

Sempre gostamos de gravar ambientes e atmosferas de lugares como estações de trem, cafés, ruas e também de fenômenos naturais. No primeiro cd usamos isso em várias faixas. Em “Paisagem Progressiva#1” temos um ready tape de uma estação de trem em Praga, que fiz quando estive mochilando por lá. Em “Moedas de Açúcar” temos a chuva, elemento que está no DNA de quem nasceu ou vive em Curitiba, só vivendo aqui pra saber, hehe.

Quais as referências ‘eruditas e populares’, vamos assim dizer, que pontuam o estilo da banda?

As eruditas passeiam pelo impressionismo de Debussy e Erik Satie, sem esquecer do chorinho de Ernesto Nazareth, o qual está notável em “Rocambolesco”, do primeiro CD.

As populares eu diria que estão para Barbara, Serge Gainsbourg, Yann Tiersen, Marlene Dietrich e se estendem para indies como Cocteau Twins, This Mortal Coil, Divine Comedy, Mogwai, The Cure até o pós rock do Labradford.

É possível manter a Wandula atuando à margem do mercado? Como funciona o dia a dia dos músicos da banda?

O mercado para nosso estilo é limitado aqui no Brasil, mas também não estou querendo dizer que na Europa ou em outro lugar venderíamos mais. O que acontece é que 96% do povo brasileiro prefere outros estilos de música, pois somos um povo que sempre busca alegria e animação. Nossa música é mais introspectiva, mais para se ouvir sozinho, mais trilha sonora de imaginação. Mas o lado bom disso, é que quem gosta ou compra nossa música são pessoas que realmente querem e gostam disso, não estão sendo vítimas de modismos e de tudo que a mídia enfia goela abaixo para o povo. Sucesso, para nós, é estar tocando há 11 anos e agradando sempre ao público, é receber a palavra e o abraço no fim do show de pessoas de mundos completamente diferentes, isso vale muito!

O Wandula é uma micro empresa, mas não paga as contas de seus integrantes.

Valorizamos nosso trabalho porque é sincero e gostamos de fazê-lo, temos uma postura bem profissional na hora de cobrar cachês, mas sempre justos e sem exageros absurdos. Adotamos essa postura com a intenção de servir de exemplo para todas as bandas brasileiras. Tocar e compor é um trabalho que exige, não se deve tocar de graça em troca de divulgação como muitos produtores fazem para se aproveitar de quem está começando. As bandas devem se valorizar e aprender e escutar vários “nãos”. É preciso ter postura se você quer uma coisa pra sempre.

Eu e a Edith vivemos da música, mas como músicos, fazemos várias coisas: shows, aulas, participações, trilhas sonoras etc. Os outros integrantes da banda têm um emprego paralelo: um é jornalista, outro geólogo, psicóloga etc.

De que forma os trabalhos individuais dos músicos interferem na hora da brincadeira em conjunto? Falem um pouco sobre eles.

Não interferem muito, apesar de cada trabalho individual ter sua identidade. Mas acaba que é tudo uma coisa só. No Wandula nos encontramos.

Meu trabalho solo se divide em meu concerto “Piano Minimalista”, em que apresento minhas composições para piano solo e interpreto Philip Glass, Yann Tiersen, Erik Satie e Michael Nyman. Mas agora fiz um repertório novo que comecei a apresentar que é solo, mas tem a participação da Edith, do Felipe, e da Ana, todos do Wandula, ou seja, tudo se mistura.

A Edith tem dois cds gravados e vai gravar seu terceiro agora, faz shows solo com este repertório, mas também participam eu e a Ana como instrumentistas.

O Felipe debutou com seu trabalho solo uns anos atrás, gravou o CD Temporário, que eu acho uma maravilha da música eletrônica. Também participamos do seu concerto.

O Branco, Denis e Rafael têm outras bandas, respectivamente o Bad Folks, Samba Rock e Copacabana Club.

Resumindo, cada um tem seu “quarto”, mas na casa tem uma “sala” onde nos encontramos, entendeu? rs.

The bad folks The Bad Folks by cassim

O último disco do Wandula, La Récréation (2007), foi uma espécie de ‘olhar pra trás’, e reuniu um corpo abrangente de canções. A partir dele, e para o próximo ano, o que vocês podem adiantar? Novo disco, turnê, garoa, tempestade?

Em 2012 continuaremos a fazer shows com o repertório do “La Récré”, incrementado com algumas novas músicas que fizemos, mas ainda não gravamos. O próximo CD do Wandula está agendado para 2014, pois até lá estarei trabalhando em meu CD solo e a Edith também. O da Edith sai este ano, o meu ano que vem, mas já estamos trabalhando.

Quanto a uma turnê… Bom, estamos sempre esperando convites, mas se eu comprar uma Van coloco todo mundo dentro e vamos levar um pouco de Curitiba para o Brasil lá de cima.

Estamos num momento bom, a tempestade já passou e ninguém ficou sabendo, hehehe. Particularmente, estou muito feliz com a formação atual, 6 pessoas maravilhosas e na mesma frequência na hora de tocar. Penso só em colocar mais uma pessoa no grupo, já sei quem é, mas só posso dizer que é mais uma bela mulher (além da Edith e da Ana) e é uma exímia flautista.

Marcelo Torrone indica:

Uma cantora para as tardes de chuva:

AGNES OBEL

Um filme para quando a noite se fizer muito fria:

DEAD MAN, JIM JARMUSCH

Um livro de cabeceira que nunca se fecha:

PROVÉRBIOS DO INFERNO, WILLIAM BLAKE

Publicado originalmente no e-zine ‘pq?‘, em dezembro de 2012.

Fotografia de Carlos Morevi.

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Carlos Gomes Escrito por:

Escritor, pesquisador e crítico. É editor dos projetos do Outros Críticos, mestre em Comunicação pela UFPE e autor do livro de contos "corto por um atalho em terras estrangeiras" (2012), de poesia "êxodo," (CEPE, 2016) e "canto primeiro (ou desterrados)" (2016), e do livro "Canções iluminadas de sol" (2018), um estudo comparado das canções do tropicalismo e manguebeat.

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