“Siba faz dessas novas músicas pergaminhos de acesso à sua tradição” – Alberto Infante, Diário Austral.
“A íntima poesia das canções faz da métrica uma conquista” – Clarice Flor, Suplemento Palavra.
“Música para dançar e sorrir” – Anônimo, Fã Clube.
“Repentistas não são poetas. São músicos” – Poeta Anônimo, Clube de Literatura dos Corações Solitários do Sargento Carrero.
Siba partiu. Pôs no mundo umas estórias que são canções, umas palavras que são poesia. Nessa conversa: ruptura, tradição, amizades e cantadores. Todo o corpo poético que faz de seu último álbum um dos mais belos registros de 2012.
por Carlos Gomes.
O que o título de seu novo álbum, Avante (2012), pode nos revelar sobre o caminho que a sua musica promete tomar a partir desse disco? Uma nova estrada, a par de uma ruptura? Ou faz parte de um caminho natural que já vinha sendo traçado em seus trabalhos anteriores?
Avante tem a ver com energia propulsora, capacidade de manter-se em movimento, disposição para lutar contra a inércia e a estagnação. Também diz respeito à necessidade desse impulso no exercício da poesia rimada, que é começo, meio e fim de meu trabalho. A associação desta palavra com a aparente ruptura presente no disco tem muito a ver com nosso velho costume de relacionar tudo que tenha como referência a aspectos da cultura popular com tradição e passado. Não tive a intenção de ruptura, foquei o processo criativo no texto do mesmo modo que em meus discos anteriores com a Fuloresta. O próprio texto, mais pessoal e inquieto, acabou guiando os passos e mudanças na música, que se tornou elétrica e agressiva. Mas não necessariamente mais “avançada”…
A apresentação com as participações de Fernando Catatau, Lirinha, Chico César e Otto, em 19 de novembro, na abertura da nova unidade do SESC São Paulo, em Santo Amaro, foi um retrato dos amigos e referências que rondaram a produção desse novo disco?
Foi um retrato fragmentado e incompleto de minha trajetória profissional e de minha relação com a cidade de São Paulo. Mas tantos parceiros ficaram de fora que nem conseguiria imaginar compor essa imagem de forma mais completa.
Gostaria que você falasse da música “Ariana”; se ela representa a espinha dorsal, vamos assim dizer, do álbum – sobretudo no arranjo da música –, e de que forma Fernando Catatau (produtor do álbum) interferiu nessa etapa da produção?
“Ariana”, apesar de parecer uma canção de amor a uma mulher, fala da dor e do sofrimento do povo afegão, que ocupação após ocupação, dos ingleses aos russos, acabaram por se ver sob o jugo de sua própria juventude e logo em seguida pela maior potência militar do mundo. É um dos textos mais impessoais de Avante, que trata de um objeto realmente externo, mas que causou imensa impressão em mim. Não considero como espinha dorsal do disco, apesar de ter sido a primeira música a chamar a atenção das pessoas. O aspecto brega, abolerado, tem muito a ver com as canções que os repentistas executam nos intervalos das cantorias de viola.
Há na feitura de suas letras de música, como exemplo “Ariana”, uma conservação de formas poéticas clássicas, como a posição das rimas, a disposição das estrofes etc. Como se deu o seu primeiro contato com a poesia, e como ela interfere em sua música, em seu modo de criar?
A poesia rimada entra em minha vida através de meu pai, que era um amante da cantoria de viola. Meus tios paternos mais velhos gostavam de cantar coco informalmente. Cresci com a imagem idealizada do cantador de viola como um artista superior, da poesia improvisada como uma arte transcendental. Quando me interessei realmente pelo assunto, descobri uma forma de arte complexa e viva, de possibilidades infinitas, cujas técnicas passei a perseguir e dominar com o passar do tempo, fazendo disso o norte do meu processo criativo. Convivendo com artistas como Zé Galdino, que adaptam musicalmente o veículo de sua poesia de acordo com a situação, migrando da cantoria de viola, para a ciranda e o maracatu de baque solto, percebi que podia também me aventurar em qualquer formato musical que quisesse, desde que me mantendo coerente na poética que domino.
Siba indica:
Um poema para a estrada:
Uma melodia para as ruas e sertões de dentro:
MARCHAS DE MARACATU, DENTRO DA CABEÇA…
Um guitarrista capaz de samba, capaz de rock:
RELATIVIZANDO SAMBA E ROCK: FRANCO, GUITARRISTA CONGOLÊS
Avante, Siba
Lembro de minha surpresa ao ver Siba solando a guitarra num clipe da banda Mestre Ambrósio. A canção era “Coqueiros”, do segundo álbum do grupo, Fuá na casa de Cabral (1998). A rabeca, apesar da tradição, só conheci através dele. No entanto, de certa forma, é ainda ela que vejo nos arranjos e sons da guitarra que novamente Siba empunha.
Seu modo de cantar, sua verve poética, a tradição nas métricas e temas das canções. Tudo remete à rabeca, não ao instrumento em si, mas à ideia de reinvenção da tradição que ilumina toda a estética do álbum. O Mestre Ambrósio manteve essa tradição, Siba em Avante (2012) mexe com outra tradição, a dos guitarristas. O modo de tocar guitarra, sem usar palheta, como é mais comum entre os guitar heroes, estava em “Coqueiros” e permanece nas rochas do sertão que são as canções “Avante”, “Ariana” e “Canoa Furada”. Bons destaques dessa vertente.
Cirandas, sambas, maracatus, histórias, estórias, dissonâncias, pulsão, barulho. Tudo cabe nas ondas para frente que são essas novas canções arranjadas por Siba. Como parceiro, Fernanda Catatau, não o melhor, mas talvez um dos mais originais guitarristas da música brasileira moderna. Bastou a ele dizer: Vá em frente, amigo. O resto ficou por conta das composições de Siba. Como está cantando bonito. Tudo, na voz, soa límpido e chega aos ouvidos sem tormentas. O barulho da guitarra encontra pouso nas narrativas poéticas que são a voz e o canto de Siba. Novo e velho.
por Carlos Gomes.
Fotos: Divulgação
“Toda vez que eu dou um passo / O mundo sai do lugar” (Ambulante Discos) é o segundo lançamento de Siba e da Fuloresta: letras diretas de uma poesia intensa, cirandas, cocos-de-roda e frevos misturados com dubs, guitarras e pianos elétricos e uma orquestra de sopros executando arranjos inovadores, junto a convidados muito especiais, como Céu, Beto Villares, Marcelo Pretto, Fernando Catatau, Isaar França e o cirandeiro Zé Galdino. Um álbum com um inesperado tom cosmopolita, que extrapola e questiona as barreiras entre cultura popular e música pop, poesia oral e literatura e o já desgastado contraste entre tradição e modernidade.