Diálogos é uma série de conversas realizadas com personalidades pensantes. O terceiro texto é a transcrição de um bate-papo que eu tive com o editor e curador da revista Mi Independente e Mestre em Ciências da Comunicação pela UFPE, Rodrigo Édipo. A ideia central do projeto é subverter os posicionamentos estabelecidos nas entrevistas usuais, em que o entrevistador faz as perguntas, mas não responde, e em que o entrevistado responde às perguntas roteirizadas pelo entrevistador, mas não pergunta. Dessa maneira, uma questão é lançada no início do debate para direcionar os argumentos, mas depois, os rumos que se seguem variam a partir das deixas dos dois debatedores e sujeitos ao imediatismo e aos saltos da oralidade. O processo é todo gravado, depois transcrito e editado, procurando não tirar a naturalidade da conversação – essa fluidez oral no texto, talvez, seja o maior capricho editorial. Dessa vez, o diálogo foi motivado pela sentença pronunciada por Jomard Muniz de Britto: “sejamos corajosamente ridículos”. Aproveitem o papo que segue abaixo:
Ricardo Maia Jr.
É preciso ter medo do ridículo ou ser corajosamente ridículo?
Rodrigo Édipo
Porra, boa! Eu acho que é preciso ser ridículo, porque eu acredito muito que qualquer coisa que você vá fazer na vida, você tem que deixar seus impulsos acontecerem. E aí, não necessariamente, esses impulsos vão ser destrutivos, podem ser construtivos, podem ser impulsos interessantes para você, sei lá, promover socialmente um bem ou transformar socialmente alguma coisa. Porque, às vezes, quando você fala de ridículo, parece que você tá virando um palhaço na frente do palco, né?! E as pessoas estão lhe julgando. E não necessariamente você está sendo ridículo, nesse sentido, tá ligado?! É, tipo, você buscar sinceridade no que você faz mesmo. Eu resumo o assunto, assim.
Ricardo Maia Jr.
Eu tenho muita preocupação com essa coisa do ridículo. Porque as pessoas acabam tendo muita cautela, muito medo de ousar. E muito por essa preocupação de soar ridículo, de… sei lá, uma preocupação com o possível burburinho que possa vir nas costas da pessoa, e, assim, a pessoa inibe a ação. As pessoas vão, desse modo, preferindo ir pelos lugares, pelas zonas de conforto, né?! Porra, você vê no lado da música mesmo, isso! De certa maneira, a música… a arte é um reflexo disso tudo.
Claro que a gente sabe que tem a coisa de querer ser comercial, de querer tornar viável o trabalho. Principalmente, quem trabalha com arte e cultura, sabe a dificuldade que é você fazer uma coisa diferente, né?! Pois, além de correr o risco de você soar ridículo, você ainda corre o risco de não tornar rentável a parada. E, de certa maneira, é como acontece muito, hoje em dia, e acho que, de certa maneira, sempre aconteceu, mas, hoje, é mais significativo depois da era das grandes gravadoras, nesse contexto pós-circuito de artistas glamourosos e com grandes turnês e tal. Daí, temos essa fragmentação da produção e a possibilidade de você ter o baixo custo e trabalhar com os equipamentos que eram completamente impossíveis, porque quem os detinha eram as empresas, os donos.

Nesse contexto de muitas possibilidades, eu acho que uma coisa que fica muito dissimulada e desentendida, nessa conversa, é que a gente vem confundindo arte com entretenimento. Uma noção que veio dos norte-americanos! E, hoje em dia, a galera tem muito essa coisa de “não, eu vou fazer música, vou trabalhar com vídeo”, mas tem essa confusão de arte com entretenimento e, no final das contas, não tenta aliar a coisa estética com a política, de fato. Não assumem o alternativo com gosto, pois o sonho maior é ser sofisticado ou mainstream. E tem que ter esse enfrentamento! E daí que corre toda essa coisa de ser corajosamente ridículo, de você assumir posições e assumir estéticas que, a princípio, são desagradáveis ou são bregas, ou o que é que seja. Mas a arte não tá só nesse grupinho de intelectual, é preciso perceber isso também. Há a coisa espontânea, a coisa impulsiva, instintiva, de gente que não tem uma bagagem, mas que tem um certo feeling. Assim, com essa coisa do ridículo há a preocupação social em ser inapropriado, mas tem que ter esse enfrentamento, essa coragem de ser ridicularizado mesmo!
Rodrigo Édipo
Na verdade, eu acho que se a gente entrar numas esferas mais extremas dessa conversa. Essa palavra ridículo acaba sendo ridícula! De você botar ridículo nessa condição de uma coisa que você está dando a cara à tapa. Aquilo que eu falei do palhaço, de você ser ridicularizado, vão rir de você, porque você é um artista louco e hermético. Mas, na verdade, esse tipo de posição extrema que a conversa que aqui tá rolando, é uma coisa que você pode morrer, tá ligado?! Dependendo dos aspectos que se quer atingir na vida, você pode ser enforcado. Isso é uma coisa legal da gente botar, porque como nós estamos pensando mais nesse mercado de música e de arte, de você fazer um certo tipo de enfrentamento, tem gente que está fazendo esse enfrentamento em níveis muito punk. Em níveis de, tipo: “não tem medo de morrer, não é?!”. Saca?
Eu tô lendo, agora, o livro dos CypherPunks de Julian Assange, que é um cara que expôs a vida dele. Ele tá expondo a cara à tapa mesmo. Ele tá na frente de uma organização onde a figura é ele, tá ligado?! E, hoje em dia, ele tá preso porque teve a coragem de revolucionar o jornalismo, praticamente. Ele teve o peito de pegar segredos do estado norte-americano e divulgar. Ou seja, porra, imagina você passar um paralelo desse com um artista que está querendo se adaptar ao mainstream, com um artista que está querendo se adaptar ao entretenimento para viver disso. A gente ainda vive um modelo muito centralizador. A gente ainda vive um modelo muito de você respeitar uma pessoa acima de você. Por mais que estejamos num momento de abertura, que eu acredito que a gente esteja em relação à, digamos, modernidade. A gente está num momento em que você pode produzir seu conteúdo e você pode dar a sua opinião. A galera ainda quer que a sua opinião seja vista pelo fulaninho lá em cima, tá ligado?!
Um dia, no Facebook, eu postei uma foto do dia da fumacinha branca lá do Papa. E, meu irmão, é incrível a foto, não sei se tu viu?! Tipo, é a praça inteira com Ipad levantado filmando o Papa. Mas aí tu pode fazer duas leituras disso. Tu pode, tipo: porra, o que é que essa galera tá captando, qual a imagem que essa galera tá captando tecnicamente falando e qual o uso que vai ser feito dessa imagem. Como você também pode ver uma coisa também, tipo, a gente vive numa sociedade pós-moderna, mas aquela figura lá em cima fez todo mundo se voltar pra ele, tá ligado?! A galera ainda tem essa necessidade de ter um seguidor, follow the leader! E aí, a gente pode traçar um paralelo com as bandas, com a música.
Tipo, eu conheci um cara que ele toca numa banda que ele diz que é feito o Alice in Chains. E aí, eu tive a oportunidade de conversar com ele, tomar uma com ele. E, cá pra nós, eu escutei a música dele e não gostei. Ele ainda busca se remontar em coisas que já existiram de formas bem massivas mesmo, que todo mundo já conhece. Mas, pela minha personalidade, eu tenho interesse em conversar com qualquer pessoa. E tentar entender o que está por trás disso. Tentar entender o quanto sincero aquilo é pra ele. E existe uma sinceridade naquilo ali! O cara enchia os olhos pra falar de música. O cara enchia os olhos para falar sobre o grunge, velho! Só que aí, ao mesmo tempo, que ele tem essa adoração por isso, ele também tem o interesse pelo rock star, pelo glamour. E vivia triste, o pai reclamando pra caralho dele, porque ele não fazia nada da vida e ainda tinha que trabalhar com o pai. Porque existia no discurso dele, internamente pelo o que eu analisei e não pelo o que ele me disse, essa necessidade do tapete vermelho! Que é a mesma necessidade de você estar na frente do Papa, daquilo do glamour, do superior. E não do horizontal! E aí, eu falava pra ele: velho, você quer ser Kurt Cobain ou quer ser músico!? Aí, ele já enviesou pro lado de drogas e rock n’ roll, e eu disse: não é isso que eu tô falando, não! Você quer ser um cara que vai ser bem aceito por milhões ou você quer ser um músico, tem tesão por tocar?! Você tem uma habilidade, você é baterista, poderia estar dando aula pra um monte de pirraia e vivendo disso, poderia buscar em paralelo o seu sonho em ser o Kurt Cobain!
Aí, o que eu tiro disso é o seguinte: a gente vive um modelo que tá se horizontalizando e as instituições estão, tipo, se fodendo para não horizontalizar. Vigiando a gente, pegando informação da gente. O Facebook está vendendo informações das pessoas pra gente comprar produtos, tá ligado?! Mas existe uma tendência de horizontalidade e isso é muito recente, bicho! Aí, talvez, se as pessoas passarem a ter mais consciência desse tipo de horizontalidade que nós estamos vivendo, a gente consiga tirar rotas de fuga para sobreviver.
Eu tava conversando com Areia, ontem, e aí, o nome do projeto dele é “Para Perdedores”, pô! Areia e Grupo de Música Aberta. Aí, eu perguntei a ele: quem são esses caras, velho? E ele disse: é a gente, velho! É a gente que tá na tangente. É a gente que não tá buscando o glamour. As pessoas estão buscando serem os vencedores, velho! E a gente está buscando ser o perdedor, tá ligado?! Isso é que é foda! Ele até disse: velho, tu trabalha numa revista, tu é mídia alternativa. Tipo, eu não mandei currículo para o Caderno C ou para a Continente Multicultural, eu não quero entrar no sistema, porque eu sei que se eu entrar nesse sistema, eu vou me foder com meus projetos pessoais que me fazem bem e me fazem feliz. É uma opção perdedora, porque eu não estou querendo ser o melhor jornalista, digamos, da Folha de São Paulo. Aí, ele falou que essa questão dos vencedores é aquela coisa da sociedade norte-americana: Winner! Winner! Você vai ganhar! Você vai ganhar! Você tem que ganhar! Você tem que ganhar! Porque se não você não ganhar, você vai ser um ridículo, velho! Se você não ganhar e se gritar contra essas regras, você vai ser tão ridículo que pode ser enforcado, velho! Você pode estar exilado como Julian Assange está!
Ricardo Maia Jr.
Acho que tu falasse quase tudo aí! Eu vejo muito também dessa coisa do modelo norte-americano de classificar e de tudo ser competição, concurso, né?! A música virou isso também, que já vem desde os festivais de música pela TV, e, até hoje, continua com esses concursos de música. E tudo acaba entrando nessa legitimação. É preciso ter a legitimação de alguém poderoso mesmo, como tu tava falando, de alguém que tem o respaldo da sociedade. Esse cara pode apontar o que é bom e esse cara pode lhe tirar do limbo, lhe tirar do ostracismo, enfim. E, ao mesmo tempo, acaba caindo numa questão do cara tentar antecipar algumas coisas, porque quando você é corajosamente ridículo, você tem que assumir fortemente uma contemporaneidade nas escuras, antecipando maneiras de ver, tendências, sensibilidades e tal. Só que sempre tem aquele risco de você cair em conversa de especialista e não especialista para analisar essas questões.
Mas, realmente, tem gente que assume a ridicularidade e quando o cara encara aquilo que muitas vezes pode parecer estúpido ou muito brutal ou muito brega ou muito ridículo mesmo, isso afasta muita gente, principalmente, aqueles acostumados com as zonas de conforto, mas também atrai uma galera interessada por essa ousadia de assumir uma coisa perigosa de um jeito visceral.
Rodrigo Édipo
É porque quem dita as transformações sociais, as transformações econômicas, as transformações estéticas, são os pensadores, velho! São os artistas, tá ligado?! Então, você querer fazer esse tipo de trabalho e ter um respaldo contemporâneo de grana, de aplausos, de 30 mil curtidas no Facebook, é um trabalho foda, tá ligado!? É, praticamente, você procurar agulha no palheiro! E aí, você tem que saber o que quer. Se você quer, realmente, ser esse cara. Tem uma frase de William Faulkner, nesse livro aqui, em que ele fala mais ou menos assim: as pessoas não estão preparadas para tentar entender o quanto suportam, o quanto suportam de dor, o quanto suportam de fudição, tá ligado?! As pessoas não querem saber até onde podem ir. As pessoas querem esse conforto. E se essas pessoas querem esse conforto, fatalmente, vão ter que se adaptar, vão ter que se adequar ao sistema vigente. Só que se todo mundo se adequar ao sistema vigente, o sistema engole a gente. Então, tem que existir essas linhas de fuga. E você quer ser esse cara?
Nessa mesma entrevista de Faulkner, eles começam a falar sobre arte e mercado e o cara disse: velho, um escritor… e o engraçado é que ele fala escritor de primeira. Um escritor de primeira não tem tempo para buscar apoio financeiro, velho, ele quer escrever! Ele não tá nem aí! Se o cara diz que não tem apoio financeiro, se diz que não sei o que e não sei o que lá, ele não é um escritor de primeira. Ele é um escritor! Que é mais ou menos isso o que a gente tá conversando, é um cara que tá sem filtro produzindo e sem medo de ser ridículo e um cara que tá aqui, hoje, e eu tô lendo a entrevista do cara, tá ligado?! Então, foi um cara que fez alguma coisa importante! É isso que ele fala do escritor de primeira. As pessoas não estão querendo saber até onde podem ir ou sobre a pedra no sapato. As pessoas querem calçar o sapato sem a pedra, simplesmente!
Foto de capa: Ex-exus/ Ricardo Maia Jr. por Quel Valentim
Foto interna 1: Ex-exus no estúdio Casona, em Recife/PE.
Foto interna 2: Capa do livro de Julian Assange.
Foto interna 3: Capa do disco de Areia e Grupo de Música Aberta.
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