Sou cantora. Demorei pra assumir isso, não pra cantar, mas pra assumir: sou cantora. Sou cantora e também compositora e percussionista. Mas sim, cantora está entre as minhas funções nesse ofício da música. Vinha refletindo no porque de raramente falar “cantora” antes de “compositora” e “percussionista”, e percebo que realmente não me sinto nada confortável com o “pacote” que parece vir junto do “cantora” aqui no Brasil e em alguns lugares do mundo.
A voz é apenas um instrumento (sim, o óbvio, muitas vezes, precisa ser lembrado).
Cantora não quer dizer nada além de ser uma voz feminina que canta.
Cantora não representa um gênero musical, é como guitarrista, baterista, violinista…
Cantora não é ter que cantar igual a outras cantoras.
Cantora não é ter que cantar como as incríveis Elis, Betânia, Gal, Marisa…
Cantora não é ter que cantar MPB.
Cantora não é ter que cantar igual a alguém… o mundo é bem maior.
Cantora não precisa se inspirar apenas em outras cantoras.
Cantora não tem que ser diva.
Cantora não tem que ser linda.
Cantora não tem que ser sensual.
Cantora não tem que ser gostosa.
Cantora não tem que ser feminina.
Mas pode, se quiser.
Considerar as “cantoras” como um único, e praticamente homogêneo universo musical, é o mesmo que dizer que a música de Nina Simone, Odete de Pilar, Llasa de La Sela, Juçara Marçal, Cila do Coco, Joelma, Cláudia Leite, Cesárea Évora, Florencia Bernales, Isaar, Petrona Martinez, Mestra Luzia, Neneh Cherry, Björk, Ana Carolina, PJ Harvey, Aurinha… pertencem ao mesmo gênero musical. Cantora não é um gênero musical. Isso deveria ser óbvio. Colocar tudo num mesmo pacote é reduzir muito a música, a artista, a arte e o ofício. Considerar a MPB (seja lá o que isso quer dizer) como única escola para cantoras no Brasil, é considerar que o mundo é muito pequeno.
Também vejo, de maneira incrivelmente recorrente, festivais e editais argumentando que já tem muitas “cantoras” na programação, nunca vi ninguém falar que tem muitos cantores ou bateristas, guitarristas… Experimentem escutar a música. O que ela lhe diz? Sobre o que fala aquela voz? O que deveria importar é apenas a música, porque ela é maior do que a voz, e claro, e sem nenhuma sombra de dúvida, uma interpretação vocal pode engrandecê-la imensamente, assim como faz qualquer bom instrumentista.
Para as cantoras, como eu, proponho que a gente sempre busque nossa voz singular, que cantemos com a alma e com as vísceras. Que possamos colaborar para engrandecer a música que escolhemos e que estejamos sempre para a música e nunca acima dela.
Foto de capa: José de Holanda
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