APR 15 circa 70’s

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Caapora abrindo o festival APR 15. Foto: Simony Rodrigues/Agência Pavio

por Tiago Barros.

Para começar, é bom salientar que esse 18 de abril de 2015 no Baile Perfumado preencheu uma lacuna importantíssima. Depois de bons anos, deve ser a primeira vez que um grande festival independente de PE monta a grade de um dos seus dias apenas com músicos do Estado. Evidentemente, como seria uma noite dedicada ao Udigrudi, movimentação de artistas dos anos 70 que precedeu o conceito associado ao Mangue Beat de misturar a música de fora com elementos da cultural local, não poderia ser muito diferente disso. De toda forma, é louvável que o APR conseguiu, mesmo que momentaneamente, voltar a se comunicar melhor com a produção local, já que as atrações daqui não tendem a ser muito numerosas em nenhum dos festivais de música independente do Estado – algo que parece surreal para uma região reconhecida por ter uma quantidade quase industrial de artistas produzindo e lançando material todos os anos. Será que outros eventos desse porte vão se inspirar nesse exemplo? Não custa nada ter um pouco de ilusão na vida!

Era interessante também constatar que a plateia presente parecia estar especialmente interessada e participativa nesse dia, como nem sempre o público frequentador dos festivais daqui demonstra estar. Basicamente, todos os shows receberam, de forma proporcional, uma entusiasmada recepção da plateia – mas claro, as atrações mais clássicas e conhecidas foram agraciadas com entusiasmo extra. Estaria o público pernambucano voltando a se interessar pela produção local? Ou a temática saudosista atraiu majoritariamente um público ávido muito específico? Dúvidas que pairam no ar!

“Eles (Caapora) soam como um perfeito mix entre o progressivo ruralístico do Jethro Tull e A Banda de Pífanos de Caruaru.”

Voltando ao festival, a Caapora foi a primeira atração a dar o ar da graça no palco secundário do APR. Começaram de cara com “A Onça”, uma das melhores músicas do disco Verde Vingança, no qual eles soam como um perfeito mix entre o progressivo ruralístico do Jethro Tull e A Banda de Pífanos de Caruaru. Logo depois, tintas do Quinteto Violado e algo próximo dos experimentos da Vanguarda Paulista aparecem em meio ao som da banda. Foi com um certo estranhamento que alguns reggaes e ritmos latinos meio genéricos fizeram o grupo parecer uma espécie de Academia da Berlinda cover em alguns momentos. Porém, a banda em geral mostrou bastante personalidade, contendo ainda um time de músicos de primeira linha (a cozinha baixo-bateria é especialmente boa). A grande revelação da noite, na opinião de quem vos escreve.

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Foto: Simony Rodrigues/Agência Pavio

Logo em seguida, foi a oportunidade de grande parte do público presente ver a verdadeira lenda viva que atende pelo nome de Paulo Diniz. Com a idade já passando da casa dos setenta e mostrando não estar muito bem de saúde, Diniz permaneceu o show todo sentado, o que não o impediu de esbanjar carisma, naturalidade e apresentar uma voz que, mesmo não possuindo mais aquele tom caracteristicamente rasgado de priscas eras, ainda permanecia marcante. De início, uma sequência de hit atrás de hit que deixou o já numeroso público que se aglomerava na frente do palco nas mãos. A trinca “Quero Voltar Para A Bahia”, “Um Chopp Pra Distrair” e uma versão de “Na Casa, Na Rua e Na Fazenda”, clássico do soul man brasileiro Hyldon, já foram o suficiente para fazer a plateia ir a baixo. Mesmo assim, não dá para negar que a apresentação foi ficando bem morosa com o passar do tempo e os arranjos excessivamente burocráticos da banda de apoio também não ajudaram muito nesse sentido. O carisma e o histórico musical de Diniz foram essenciais nessa hora. Também não dá para citar que muitas grandes músicas de Diniz ficaram de fora do set, como “Piri Piri”, “Brasil, Brasa, Braseiro”, “Marginal II”, entre tantas outras. Mas, o que estava sendo apresentando naquela hora era parte da história da música REALMENTE popular brasileira, para muita gente que nunca teve a chance de conhecê-la dessa forma. E isso por si só já valeu o show.

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Foto: Simony Rodrigues/Agência Pavio

Quem tomou conta, literalmente, do segundo palco agora foi o caruarense Almério. Extremamente perfomático e contando com um ótimo agrupamento de músicos, ele surpreendeu boa parte da plateia que poderia não estar muito familiarizada com o seu trabalho. A música em si é bem menos surpreendente que todo o lado cênico, algumas vezes acaba soando como uma espécie apetrecho complementar de sua performance teatral, mas foi executada com o grau de excelência exato para mexer bastante com o público presente.

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Foto: Simony Rodrigues/Agência Pavio

Depois foi a vez de um dos compositores pernambucanos mais subestimados de todos os tempos, Flaviola. Escudado por um time sortido de nomes como Juliano Holanda, Zé da Flauta, Juvenil Silva, Paulo Rafael e Gilú Amaral, o cultuado músico apresentou as músicas da sua obra prima do folk pernambucano, o disco “Flaviola & O Bando do Sol”, com arranjos tocados com maestria, segurança e total fidelidade à sonoridade do álbum em questão. O músico parecia estar se divertindo tanto como quem assistia seu show, vendo seu trabalho descoberto por uma geração mais nova de músicos e público. Foi dos momentos mais memoráveis da noite e qualquer um que tivesse a mínima noção da importância do músico e do material que foi ali apresentado constatou isso sem maiores problemas. E que Flaviola possar ter o merecido reconhecimento agora!

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Foto: Simony Rodrigues/Agência Pavio

Logo em seguida, foi a vez de uma das atrações mais aguardadas da noite, a cantora Aninha Martins, que vem se consolidando como uma das vozes mais representativas da nova geração da música pernambucana. Fazendo jus ao Rock do nome do festival, a pegada da cantora e sua banda foi mais agressiva do que o habitual, com Aninha mostando mais segurança e controle de sua voz, aliando isso a sua já conhecida e chamativa performance. Duas músicas do finado e saudoso Lula Cortês, “Canção da Chegada” e “Balada da Calma”, foram tocadas e interpretadas com afinco. Como sempre, o show da cantora terminou com “Queda Punk”, uma espécie de Heavy Metal feito para e por quem não gosta muito do estilo musical, que também é um dos cavalos de batalha do repertório de Aninha. Nessa hora, os espectadores presentes já em êxtase foram a um delírio ainda maior.

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Foto: Simony Rodrigues/Agência Pavio

Com honras e méritos, ficou a cargo da Ave Sangria, o ícone mor do Udigrudi, fechar a noite dedicada ao movimento citado. Se, infelizmente, o guitar hero Ivinho não pôde se apresentar devido a uma hemorragia gástrica, Paulo Rafael fez jornada dupla nessa noite e representou as 6 cordas com a devida categoria. O mais que azeitado mix de integrantes originais do Ave com músicos da nova safra de PE está tinindo, mostrando que, assim como Flaviola, a geração circa 70 não caiu fácil no conflito geracional entre músicos, uma estupidez que foi bastante difundida dos anos 80 para cá.

“Hey Man”, “Corpo Em Chamas”, “Seu Waldir”, “Geórgia, A Carniceria” e outros clássicos do auto entitulado disco do Ave foram desferidos com propriedade e ânimo, recebendo da plateia uma resposta a altura.

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Tiago Barros Escrito por:

Jornalista e músico.

2 Comentários

  1. 22 de abril de 2015
    Responder

    Paulo Diniz é cadeirante há muitos anos, portanto não haveria outra forma de tocar, senão sentado.

    • Carlos Gomes
      27 de abril de 2015
      Responder

      Obrigado pela correção, Paulo. abs.

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