por Guilherme Gatis*.
A banda de música instrumental Kalouv foi buscar no Esperanto o nome para seu segundo álbum, Pluvero (2014). O termo, que remete à gota de chuva, simboliza, de acordo com o release de divulgação do álbum, “mudança permanente, onde o menor dos elementos é relevante na construção do novo”. A metáfora sugerida pelo texto de divulgação ainda cita Nietzsche, com a seguinte referência: “Cada instante devora o precedente, cada nascimento é a morte de incontáveis seres, gerar, viver, morrer são uma unidade”.
As palavras, sejam elas em Esperanto ou construídas a partir do pensamento do filósofo alemão, buscam conceituar as dez faixas do álbum. “Pluvero fala de transformação”. A frase está em aspas por ser retirada do material de divulgação. Mas, também, está aspeada para chamar atenção para o verbo falar.
Pluvero, no entanto, não fala. A ideia de transformação e transitoriedade que se tenta inscrever nas faixas instrumentais encontram ressonância no que se convencionou chamar de post-rock. Ora por faixas longas, com sete, nove, dez minutos, ou por trilhas mais curtas, com dois minutos, os músicos Basílio Queiroz (baixo), Bruno Saraiva (teclado), Rennar Pires (bateria), e os guitarristas Saulo Mesquita e Túlio Albuquerque tentam criar esse ambiente de contínuas transformações.
Embora as referências – e a ambição de tentar traduzi-las em música – possam soar pretensiosas, a Kalouv, ao buscar conceituar o seu álbum, acaba por trazer significado a um gênero instrumental que ainda não é de fácil definição ou assimilação. Apontar nomes como Mogwai, Explosions in the Sky ou Red Sparowes como referências das músicas produzidas pela Kalouv é corroborar com essa ideia de renovação e transitoriedade presentes a cada virada de bateria, ambientação do teclado, solos e paredes de guitarra.
O transitório é um elemento marcante do post-rock. A ausência da palavra cantada desamarra o processo criativo do gênero, possibilitando novas construções, experimentações e andamentos que carregam, em si, a ideia de mudança e transitoriedade. Não à toa, há certa similaridade entre o post-rock e algumas vertentes da música eletrônica nas constantes alternâncias de andamento e intensidade.
Destas possibilidades abrem-se dois caminhos: o primeiro é dilatar as composições a um limite que beira o improviso e o imprevisível, flertando com elementos do free jazz e aceitando o erro e as “sujeiras” como parte do processo criativo. O segundo caminho é o de transformar a música em um minucioso jogo de armar, em que todos os elementos estão presentes de forma meticulosamente calculadas.
O Kalouv prefere focar no caminho do preciosismo matemático, assumindo os riscos de soar, em alguns momentos, frios e distantes – o que parece ser, inclusive, intencional. Composto em um processo que durou cerca de dois anos e que tem como parceiros o produtor Roberto Kramer, que também mixou e masterizou o álbum e toca bandolim na faixa “Esquizo”, Pluvero também conta com a participação do trompetista Kevin Jock, Felipe Viana na viola de arco, GA Barulhista nos samplers e do guitarrista Fernando Athayde.
Pluvero não fala, mas tem voz. Nas faixas “Boa Sorte, Santiago” e “Altro” a cantora Isadora Melo utiliza seus recursos vocais para embalar as construções sonoras da Kalouv, numa tentativa calculada – e acertada – de alcançar o sublime.
* Publicada originalmente na 1ª edição da revista Outros Críticos.
Foto de capa: Bruna Monteiro
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